Livro: Viver um sonho Página 2

... cou-se Ruarke. — Nós vencemos os franceses, sem sombra de dúvida, mas ainda teremos de percorrer muitos quilômetros até alcançar a segurança de Bordeaux. Os campos estão cheios de remanescentes das tropas derrotadas, ansiosas por derramar sangue inglês. Enquanto descia a colina em direção ao acampamento, a expressão dura de Ruarke de Sommerville transformava seu rosto de beleza máscula e ele parecia ter mais do que vinte e quatro anos. Ao vê-lo naquele momento, ninguém duvidaria que sua reputação de guerreiro implacável e sem coração era absolutamente verdadeira. — Temos homens suficientes para a nossa proteção e também para defender o nosso saque. Os olhos de Ruarke pousaram sobre as carroças de saque defendidas pelos lanceiros. Embora seu objetivo não fosse enriquecer nas guerras, sentia-se orgulhoso de ter acumulado uma incalculável fortuna durante seus três anos na França, combatendo ao lado de Edward, o príncipe negro. Era, antes de tudo, uma prova de seu valor como guerreiro. Será que seu avô se orgulharia de seu triunfo em Poitiers? Só Deus sabia o quanto ele se esforçava ainda para ser um guerreiro implacável mas, ao contrário do velho lutador que vibrara com cada batalha vitoriosa, Ruarke se envolvia em guerras sem nenhum prazer, apenas para cumprir a promessa feita a Roger de Rivers em seu leito de morte. — E para onde iremos agora? — perguntou William, sabendo que o amigo logo se envolveria em mais uma campanha. — Só decidirei depois de me apresentar ao príncipe. — Ruarke examinou os corpos adormecidos com um olhar de irritação. — Desde que eu consiga acordar esses homens para irmos até Bordeaux, é claro! O sarcasmo ferino irritou William que avançou para o acampamento, disposto a acordar imediatamente os soldados. Ruarke permaneceu em pé diante de sua tenda, que fora capturada dos franceses, tentando encontrar a resposta para a incômoda pergunta do amigo. Desde a morte de seu avô, há cinc ...

anos, ele e seus homens tinham se empenhado em uma batalha após a outra e sempre com sucesso absoluto, o que contribuía para aumentar sua fama. Ruarke já perdera a conta das lutas que vencera e nas quais raramente pensava pois estava sempre planejando o próximo objetivo a ser alcançado. Alguns julgavam o senhor de Wilton tão sanguinário quanto seu avô, o famoso guerreiro Roger de Rivers. Outros afirmavam que a ganância o movia e sua única ambição sempre fora obter fama e riquezas. Só Ruarke e um reduzido grupo de amigos íntimos sabiam o verdadeiro motivo de sua ânsia em continuar lutando apesar do profundo cansaço e da infinita repulsa que aquela vida provocava nele. Ruarke abominava o homem que viera a ser, desprezava os atos de violência que realizava apenas para perseguir o sonho de seu avô. Mas, apesar de sua profunda revolta contra a vida de batalhas incessantes, ele não podia descansar a espada enquanto não cumprisse o juramento feito ao velho que o criara. Essa promessa, da qual só se libertaria quando a realizasse, pesava mais sobre seus ombros do que os vinte e cinco quilos de sua espessa armadura. Em dias como esse que se iniciava, com os horrores da batalha ainda muito nítidos em sua mente, ele sentia uma irresistível tentação de esquecer-se de seu objetivo pelo menos por um breve período de tempo para levar a vida de um homem comum. Como seria maravilhoso viver apenas como Ruarke de Sommerville, esquecendo-se da existência de lorde Ruarke, o cavaleiro sem mácula e sem derrota, um guerreiro sempre vitorioso e. um matador implacável! Mas ele não ousava deixar de lado sua pesada responsabilidade nem por um dia pois temia que depois lhe faltasse coragem para retomar os deveres assumidos diante do leito de morte do avô. Suspirando de angústia, Ruarke recordou-se do sonho que o atormentava já há várias noites. Ele se encontrava em um campo florido em que não se viam os corpos destroçados dos inimigos vencidos. Em ve ...

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