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Americanas

Livro: Americanas Página 2

Autor - Fonte: Machado de Assis

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... gio certo e último. Impetuoso O vestido cristão lhe despedaça, E à luz já viva da manhã recente Contempla as nuas formas. Era acaso A síncope chegada ao termo próprio, Ou, no pejo ofendida, às mãos entranhas A desmaiada moça despertara. Potira acorda, os olhos lança em torno, Fita, vê, compreende, e inquieta busca Fugir do vencedor às mãos e ao crime. Mísera! opõe-se-lhe o irritado gesto Do aspérrimo guerreiro; um ai lhe sobe 4 Angustioso e triste aos lábios trêmulos, Sobe, murmura e sufocado expira. Na rede envolve o corpo, e, desviando Do terrível tamoio os lindos olhos, Entrecortada prece aos céus envia, E as faces banha de serenas lágrimas. V Longo tempo correra. Amplo silêncio Reinou entre ambos. Do tamoio a fronte Pouco a pouco despira o torvo aspecto. Ao trabalhado espírito, revolto De mil sinistros pensamentos, volve Benigna calma. Tal de um rio engrossa O volume extensíssimo das águas Que vão enchendo de pavor os ecos, Vencendo no arruído o vento e o raio, E pouco a pouco atenuando as vozes, Adelgaçando as ondas, tornam mansas Ao primitivo leito. Ei-lo se inclina, Para tomar nos braços a formosa Por cujo amor incendiara a aldeia Daquelas gentes pálidas de Europa. Sente-lhe a moça as mãos, e erguendo o rosto, O rosto inda de lágrimas molhado, Do coração estas palavras solta: “— Lá entre os meus, suave e amiga morte, Ah! porque me não deste? Houvera ao menos Quem escutasse de meus lábios frios A prece derradeira; e a santa bênção Levaria minha alma aos pés do Eterno. Não, não te peço a vida; é tua, extingue-a; Um só alívio imploro. Não receies Embeber no meu sangue a ervada seta; Mata-me, sim; mas leva-me onde eu possa Ter em sagrado leito o último sono!” Disse, e fitando no índio ávidos olhos, Esperou. Anagê sacode a fronte, Como se lhe pesara idéia triste; Crava os olhos no chão; lentas lhe saem Estas vozes do peito. “Oh! nunca os padres P ...
sado houvessem estas plagas virgens! Nunca de um deus estranho as leis ignotas Viessem perturbar as tribos, como Perturba o vento as águas! Rosto a rosto Os guerreiros pelejam; matam, morrem. Ante o fulgor das armas inimigas Não descora o tamoio. Assaz lhe pulsa Valor nativo e raro em peito livre. Armas, deu-lhas Tupã novas e eternas Nestas matas vastíssimas. De sangue Estranhos rios hão de, ao mar correndo, Tristes novas levar à pátria deles, Primeiro que o tamoio a frente incline Aos inimigos peitos. Outra força, 5 Outra e maior nos move a guerra crua; São eles, são os padres. Esses mostram Cheia de riso a boca e o mel nas vozes, Sereno o rosto e as brancas mãos inermes; Ordens não trazem de cacique estranho, Tudo nos levam, tudo. Uma por uma As filhas de Tupã correm trás eles, Com elas os guerreiros, e com todos A nossa antiga fé. Vem perto o dia Em que, na imensidão destes desertos, Há de ao frio luar das longas noites O pajé suspirar sozinho e triste Sem povo nem Tupã!” 6 VI Silenciosas Lágrimas lhe espremeu dos olhos negros Esta lembrança de futuros males. “— Escuta!” diz Potira. O índio estende imperioso as mãos e assim prossegue: “— Também com eles foste, e foi contigo Da minha vida a flor! Teu pai mandara, E com ele mandou Tupã que eu fosse Teu esposo; vedou-mo a voz dos padres, Que me perdeu, levando-te consigo. Não morri; vivi só para esta afronta; Vivi para esta insólita tristeza De maldizer teu nome e as graças tuas, Chorar-te a vida e desejar-te a morte. Ai! nos rudes combates em que a tribo Rega de sangue o chão da virgem terra Ou tinge a flor do mar, nunca a meu lado Teu nobre vulto esteve. A aldeia toda, Mais que o teu coração, ficou deserta. Duas vezes, mimosas rebentaram Do lacrimoso cajueiro as flores, Desde o dia funesto em que deixaste A cabana paterna. O extremo lume Expirou de teu pai nos olhos tristes; Piedosa chama consumiu seus restos E a al ...

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