Livro: O selvagem que eu amei Página 2

... . A ponto de Fleur, dias antes, precisar chamar sua atenção: — Tenho minhas dúvidas se está aprendendo mesmo, lendo tão rápido. Esses livros que você leu em uma noite eu levei um fim de semana inteiro. — Mas não foi um fim de semana iraniano — disse Nizéa. — Aqui as mulheres não fazem nada, a não ser sentar, tagarelar e comer. — Vocês têm piscina e televisão — interrompeu uma outra aluna que vinha entrando na classe. Para Fleur, aquilo era novidade: — Pensei que a religião de vocês proibia ver filmes e seriados de tevê. — Proíbe mesmo — disse Nizéa. — Mas Karim, meu irmão, tem tapes e cassetes. — De programas americanos? — perguntou Fleur, espantada. — Programas educacionais. Os mais novos estão com ele. Peguei alguns dos antigos emprestados. — Esconda-os — disse à colega. — Quando seu irmão descobrir, vai trancar tudo a chave. — Karim nunca tranca nada. Não há ladrões na minha casa! Como o roubo era crime e podia ser punido até com o corte da mão, Fleur não duvidou nada. Isto mostrava que a sofisticação recém-adquirida por aquele povo, em conseqüência do petróleo, não passava de uma casca que escondia costumes muito primitivos e preconceitos. Um desses preconceitos Fleur teria que enfrentar mais cedo do que imaginava. Na aula seguinte, depois que tocou o sinal, pediu que Nizéa esperasse. — Li seu trabalho sobre Shakespeare — disse-lhe, quando saiu a última menina. — Está excelente. Tenho certeza de que passaria no exame para a faculdade. — Não adianta passar nos exames, se não posso freqüentar as aulas. Meu pai acha que lugar de mulher é em casa, com o marido e os filhos. Fleur teve que se controlar para não ser indelicada: — Sua mãe não o faria mudar de opinião? Talvez seu irmão? — A palavra de meu pai é a lei e Karim nunca iria contrariá-lo! — Então, cabe a você fazer com que mude de idéia. — Impossível. Ele não é homem fácil de se dobrar. ...

— Seus grandes olhos negros fixaram-se em Fleur. — Papai acha que, se eu for para a faculdade, posso mudar tanto que deixarei de ser sua filha. — As pessoas mudam, mesmo sem ir para a faculdade. Você não devia desistir tão fácil. — Nenhuma mulher da nossa família estudou. — Nizéa olhou para Fleur, cheia de esperança. — Mas talvez, Fleur, se você falasse com meu pai, ele concordasse. — Não tenho tanta certeza disso. Os iranianos não são famosos por darem ouvidos às mulheres. — Mas você é diferente, é inglesa. Talvez a ouvisse. Certamente me ouviria, pensou, e depois mandaria me deportar. — Vou pensar e falo com você depois — prometeu. — Você é a minha única esperança. E você mesma disse que, quando a gente acredita numa coisa, deve lutar por ela. — Isso não quer dizer que posso ficar me metendo em assuntos de família. — O que é mais importante do que o meu futuro? Não sou sua aluna mais inteligente? A menina fez uma cara dramática e Fleur sorriu. — Você é inteligente, mas se continuar assim vou achar que seu talento de atriz é maior do que o literário. — Por favor, me ajude. Tudo que quero é uma chance de usar minha inteligência. Se disser a meu pai que sou capaz, ele acreditará. Ele respeita muito os ingleses. — Muito gentil da parte dele. — Você fala com ele? — insistiu Nizéa, ignorando a ironia. — Sim, vou escrever-lhe hoje mesmo. Mas não fique muito otimista. Se não ouve você, nem seu irmão, duvido que vá me ouvir. Quando soube dessa conversa, a Sra. Nadar comentou: — Você está perdendo tempo, querida. O Sr. Khan nunca muda de idéia. — Ele se acha tão certo assim? — Mesmo que soubesse que estava errado, não admitiria. É um homem da velha escola. Seu pedido não vai adiantar nada. Ao contrário, acho que só vai torná-lo ainda mais inflexível. — Pelo menos Nizéa vai saber que me importo com ela. — Só por isso não vou lhe pedir para desistir. Mas ...

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