Livro: Uns Braços Página 2
Autor - Fonte: Machado de Assis
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nem outro;
passava os olhos por ali como por nada. Via só os braços de D. Severina, — ou
porque sorrateiramente olhasse para eles, ou porque andasse com eles impressos
na memória.
— Homem, você não acaba mais? bradou de repente o solicitador.
Não havia remédio; Inácio bebeu a última gota, já fria, e retirou-se, como de
costume, para o seu quarto, nos fundos da casa. Entrando, fez um gesto de zanga e
desespero e foi depois encostar-se a uma das duas janelas que davam para o mar.
Cinco minutos depois, a vista das águas próximas e das montanhas ao longe
restituía-lhe o sentimento confuso, vago, inquieto, que lhe doía e fazia bem, alguma
cousa que deve sentir a planta, quando abotoa a primeira flor. Tinha vontade de ir
embora e de ficar. Havia cinco semanas que ali morava, e a vida era sempre a
mesma, sair de manhã com o Borges, andar por audiências e cartórios, correndo,
levando papéis ao selo, ao distribuidor, aos escrivães, aos oficiais de justiça. Voltava
à tarde jantava e recolhia-se ao quarto, até a hora da ceia; ceava e ia dormir. Borges
não lhe dava intimidade na família, que se compunha apenas de D. Severina, nem
Inácio a via mais de três vezes por dia, durante as refeições. Cinco semanas de
solidão, de trabalho sem gosto, longe da mãe e das irmãs; cinco semanas de
silêncio, porque ele só falava uma ou outra vez na rua; em casa, nada.
"Deixe estar, — pensou ele um dia — fujo daqui e não volto mais."
Não foi; sentiu-se agarrado e acorrentado pelos braços de D. Severina. Nunca
vira outros tão bonitos e tão frescos. A educação que tivera não lhe permitia encarálos
logo abertamente, parece até que a princípio afastava os olhos, vexado.
Encarou-os pouco a pouco, ao ver que eles não tinham outras mangas, e assim os
foi descobrindo, mirando e amando. No fim de três semanas eram eles, moralmente
falando, as suas tendas de repouso. Agüentava toda a trabalheira de fora toda a
melancolia da s
...
lidão e do silêncio, toda a grosseria do patrão, pela única paga de
ver, três vezes por dia, o famoso par de braços.
Naquele dia, enquanto a noite ia caindo e Inácio estirava-se na rede (não
tinha ali outra cama), D. Severina, na sala da frente, recapitulava o episódio do jantar
e, pela primeira vez, desconfiou alguma cousa Rejeitou a idéia logo, uma criança!
Mas há idéias que são da família das moscas teimosas: por mais que a gente as
sacuda, elas tornam e pousam. Criança? Tinha quinze anos; e ela advertiu que entre
o nariz e a boca do rapaz havia um princípio de rascunho de buço. Que admira que
começasse a amar? E não era ela bonita? Esta outra idéia não foi rejeitada, antes
afagada e beijada. E recordou então os modos dele, os esquecimentos, as
distrações, e mais um incidente, e mais outro, tudo eram sintomas, e concluiu que
sim.
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— Que é que você tem? disse-lhe o solicitador, estirado no canapé, ao cabo
de alguns minutos de pausa.
— Não tenho nada.
— Nada? Parece que cá em casa anda tudo dormindo! Deixem estar, que eu
sei de um bom remédio para tirar o sono aos dorminhocos .
E foi por ali, no mesmo tom zangado, fuzilando ameaças, mas realmente
incapaz de as cumprir, pois era antes grosseiro que mau. D. Severina interrompia-o
que não, que era engano, não estava dormindo, estava pensando na comadre
Fortunata. Não a visitavam desde o Natal; por que não iriam lá uma daquelas
noites? Borges redargüía que andava cansado, trabalhava como um negro, não
estava para visitas de parola, e descompôs a comadre, descompôs o compadre,
descompôs o afilhado, que não ia ao colégio, com dez anos! Ele, Borges, com dez
anos, já sabia ler, escrever e contar, não muito bem, é certo, mas sabia. Dez anos!
Havia de ter um bonito fim: — vadio, e o covado e meio nas costas. A tarimba é que
viria ensiná-lo.
D. Severina apaziguava-o com desculpas, a pobreza da comadre, o
caiporismo do c ...
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