Livro: O Sertanejo Página 2
Autor - Fonte: José de Alencar
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em conservada e prazenteira,
manejava com donaire o seu cavalo castanho, também ajaezado de prata como o de seu
marido. O vestido de montar era de fino droguete verde-garrafa com alamares de torçal de
ouro, e o chapéu, em forma de touca, ornado de um cocar de plumas tricolores, que ao
movimento do cavalo se agitavam em tôrno da cabeça.
Atualmente viaja-se pelo nosso interior em hábitos caseiros; não era assim naquele
bom tempo em que um capitão-mór julgaria derrogar da sua gravidade e importância, se
fossem vistos na estrada, êle e a esposa, sem o decôro que reclamava sua jerarquia.
Acresce que o capitão-mór Gonçalo Pires Campelo e sua mulher D. Genoveva
estavam a chegar à sua fazenda da Oiticica, onde pretendiam entrar antes de uma hora com a
solenidade, que alí era de costume, sempre que os donos voltavam depois de alguma ausência.
A última pessoa da cavalgada, ou antes a primeira, pois rompia a marcha, era D. Flor,
a filha do capitão-mór. Formosa e gentil, esbeltava-lhe o corpo airoso um roupão igual ao de
sua mãe com a diferença do ser azul a côr do estôfo.
Trazia um chapéu de feltro à escudeira, com uma das abas caída e a outra apresilhada
um tanto de esguelha pelo broche de pedrarias donde escapava-se uma só e longa pluma
branca, que lhe cingia carinhosamente o colo como o pescoço de urna garça.
Na moldura dêsse gracioso toucado, a beleza deslumbrante de seu rosto revestia-se
de uma expressão cavalheira e senhoril, que era talvez o traço mais airoso de sua pessoa. No
olhar que desferia a luminosa pupila; na seriedade dos seus lábios purpurinos, que ainda
cerrados pareciam enflorar-se de um sorriso cristalizado em rubim; na gentil flexão do colo
harmonioso; e no garbo com que regia o seu fogoso cavalo, assomavam os realces de uma
alma elevada que tem conciência de sua superioridade, e sente ao passar pela terra a elação
das asas celestes.
O sôfrego baio mastigava o freio e espumava; porém a mão
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irme da linda escudeira,
calçada de comprido guante de sêda, que lhe vestia o braço até à curva, retinha os ímpetos do
animal, impaciente desde que aspirara as emanações dos campos nativos.
A chapada, que os viajantes atravessavam neste momento, tinha o aspecto desolado e
profundamente triste que tomam aquelas regiões no tempo da sêca.
Nessa época o sertão parece a terra combusta do profeta; dir-se-ia que por aí passou o
fogo e consumiu toda a verdura, que é o sorriso dos campos e a gala das árvores, ou o seu
manto, como chamavam poeticamente os indígenas.
Pela vasta planura que se estende a perder de vista, se erriçam os troncos ermos e nus
com os esgalhos rijos e encarquilhados, que figuram o vasto ossuário da antiga floresta.
O capim, que outrora cobria a superfície da torra do verde alcatifa, roído até à raiz
pelo dente faminto do animal e triturado pela pata do gado, ficou reduzido a uma cinza
espêssa que o menor bafejo do vento levanta em nuvens pardacentas.
O sol ardentíssimo côa através do mormaço da terra abrasada uns raios baços que
vestem de mortalha lívida e poenta os esqueletos das árvores, enfileirados uns após outros
como uma lúgubre procissão de mortos.
Apenas ao longe se destaca a folhagem de uma oiticica, de um joazeiro ou de outra
árvore vivaz do sertão, que elevando a sua copa virente por sôbre aquela devastação profunda,
parece o derradeiro arranco da seiva da terra exhausta a remontar ao céu.
Êstes ares em outra época povoados do turbilhões de pássaros loquazes, cuja
brilhante plumagem rutilava aos raios do sol, agora ermos e mudos como a terra, são apenas
cortados pelo vôo pesado dos urubús que farejam a carniça.
Às vezes ouve-se o crepitar dos gravetos. São as reses que vagam por esta sombra de
mato, e que vão cair mais longe, queimadas pela sede abrasadora ainda mais do quê inanidas
pela fome. Verdadeiros espectros, essas carcaças que se movem ainda aos últimos arq ...
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