Livro: Vidros quebrados Página 2
Autor - Fonte: Machado de Assis
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Mandou chamar o irmão, que morava na Tijuca, um José
Soares, que era então comandante do 6º batalhão da Guarda Nacional; mandou-o
chamar, contou-lhe tudo, e pediu-lhe conselho. O irmão respondeu que o melhor era
casar Cecília sem demora; mas a viúva observou que, antes de aparecer noivo, tinha
medo que eu fizesse alguma, e por isso tencionava retirá-la de casa, e mandá-la para o
convento da Ajuda; dava-se com as madres principais.
Três dias depois, Cecília foi convidada pela mãe a aprontar-se, porque iam passar duas
semanas na Tijuca. Ela acreditou, e mandou-me dizer tudo pela mesma preta, a quem eu
jurei que daria a liberdade, se chegasse a casar com a sinhá-moça. Vestiu-se, pôs a
roupa necessária no baú, e entraram no carro que as esperava. Mal se passaram cinco
minutos, a mãe revelou tudo à filha; não ia levá-la para a Tijuca, mas para o convento, de
onde sairia quando fosse tempo de casar. Cecília ficou desesperada. Chorou de raiva,
bateu o pé, gritou, quebrou os vidros do carro, fez uma algazarra de mil diabos. Era um
escândalo nas ruas por onde o carro ia passando. A mãe já lhe pedia pelo amor de Deus
que sossegasse; mas era inútil. Cecília bradava, jurava que era asneira arranjar noivos e
conventos; e ameaçava a mãe, dava socos em si mesma. Podem imaginar o que seria.
Quando soube disto não fiquei menos desesperado. Mas, refletindo bem compreendi
que a situação era melhor; Cecília não teria mais contemplação com a mãe, e eu podia
tirá-la por justiça. Compreendi também que era negócio que não podia esfriar. Obtive o
consentimento dela, e tratei dos papéis. Falei primeiro ao desembargador João Regadas,
pessoa muito de bem, e que me conhecia desde pequeno. Combinamos que a moça seria
depositada na casa dele. Cecília era agora a mais apressada; tinha medo que a mãe a
fosse buscar, com um noivo de encomenda; andava aterrada, pensava em mordaças,
cordas. Queria sair quanto antes.
Tudo correu
bem. Vocês não imaginam o furor da viúva, quando as freiras lhe
mandaram dizer que Cecília tinha sido tirada por justiça. Correu à casa do
desembargador, exigiu a filha, por bem ou por mal; era sua, ninguém tinha o direito de lhe
botar a mão. A mulher do desembargador foi que a recebeu, e não sabia que dizer; o
marido não estava em casa. Felizmente, chegaram os filhos, o Alberto, casado de dous
meses, e o Jaime, viúvo, ambos advogados, que lhe fizeram ver a realidade das cousas;
disseram-lhe que era tempo perdido, e que o melhor era consentir no casamento, e não
armar escândalo. Fizeram-me boas ausências; tanto eles como a mãe afirmaram-lhe que
eu, se não tinha posição nem família, era um rapaz sério e de futuro. Cecília foi chamada
à sala, e não fraqueou: declarou que, ainda que o céu lhe caísse em cima, não cedia
nada. A mãe saiu como uma cobra.
Marcamos o dia do casamento. Meu pai, que estava então em Santos, deu-me por
carta o seu consentimento, mas acrescentou que, antes de casar, fosse vê-lo; podia ser
até que ele viesse comigo. Fui a Santos. Meu pai era um bom velho, muito amigo dos
filhos, e muito sisudo também. No dia seguinte ao da minha chegada, fez-me um longo
interrogatório acerca da família da noiva. Depois confessou que desaprovava o meu
procedimento.
— Andaste mal, Venâncio; nunca se deve desgostar uma mãe.
— Mas se ela não queria?
— Havia de querer, se fosses com bons modos e alguns empenhos. Devias falar a
pessoa de tua amizade e da amizade da família. Esse mesmo desembargador podia fazer
muito. O que acontece é que vais casar contra a vontade da tua sogra, separas a mãe da
filha, e ensinaste a tua mulher a desobedecer. Enfim, Deus te faça feliz. Ela é bonita?
— Muito bonita.
— Tanto melhor.
Pedi-lhe que viesse comigo, para assistir ao casamento. Relutou, mas acabou
cedendo; impôs só a condição de esperar um mês. Escrevi para a corte, e esperei as
quatro mais longas
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