Livro: Memórias póstumas de brás cubas Página 4
Autor - Fonte: Machado de Assis
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ue Sua Alteza,
com a mesma mão que trancara o parlamento, teria imposto aos ingleses o emplasto Brás Cubas. Não
se riam dessa vitória comum da farmácia e do puritanismo. Quem não sabe que ao pé de cada bandeira
grande, pública, ostensiva, há muitas vezes várias outras bandeiras modestamente particulares, que se
hasteiam e flutuam à sombra daquela, e não poucas vezes lhe sobrevivem? Mal comparando, é como a
arraia-miúda, que se acolhia à sombra do castelo-feudal; caiu este e a arraia ficou. Verdade é que se fez
graúda e castelã. Não, a comparação não presta.
CAPÍTULO 5
Em que aparece a orelha de uma Senhora
Senão quando, estando eu ocupado em preparar e apurar a minha invenção, recebi em cheio um
golpe de ar; adoeci logo, e não me tratei. Tinha o emplasto no cérebro; trazia comigo a idéia fixa dos
doidos e dos fortes. Via-me, ao longe, ascender do chão das turbas, e remontar ao céu, como uma águia
imortal, e não é diante de tão excelso espetáculo que um homem pode sentir a dor que o punge. No
outro dia estava pior; tratei-me enfim, mas incompletamente, sem método, nem cuidado, nem persistência;
tal foi a origem do mal que me trouxe à eternidade. Sabem já que morri numa sexta-feira, dia aziago, e
creio haver provado que foi a minha invenção que me matou. Há demonstrações menos lúcidas e não
menos triunfantes.
Não era impossível, entretanto, que eu chegasse a galgar o cimo de um século, e a figurar nas folhas
públicas, entre macróbios. Tinha saúde e robustez. Suponha-se que, em vez de estar lançando os alicerces
de uma invenção farmacêutica, tratava de coligir os elementos de uma instituição política, ou de uma
reforma religiosa. Vinha a corrente de ar, que vence em eficácia o cálculo humano, e lá se ia tudo.
Assim corre a sorte dos homens.
Com esta reflexão me despedi eu da mulher, não direi mais discreta, mas com certeza mais formosa
entre as contemporâneas suas, a anônima do pr
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meiro capítulo, a tal, cuja imaginação à semelhança das
cegonhas do Ilisso. Tinha então 54 anos, era uma ruína, uma imponente ruína. Imagine o leitor que nos
amamos, ela e eu, muitos anos antes e que um dia, já enfermo, vejo-a assomar à porta da alcova.
CAPÍTULO 6
Chimène, qui l’ eût dit? Rodrigue,qui l’eût cru?
Vejo-a assomar à porta da alcova, pálida, comovida, trajada de preto, e ali ficar durante um minuto,
sem ânimo de entrar ou detida pela presença de um homem que estava comigo. Da cama, onde jazia,
contemplei-a durante esse tempo, esquecido de lhe dizer nada ou de fazer nenhum gesto. Havia já dois
anos que nos não víamos, e eu via-a agora não qual era, mas qual fora, quais fôramos ambos, porque um
Ezequias misterioso fizera recuar o sol até os dias juvenis. Recuou o sol, sacudi todas as misérias, e este
punhado de pó, que a morte ia espalhar na eternidade do nada, pôde mais do que o tempo, que é o
ministro da morte. Nenhuma água de Juventa igualaria ali a simples saudade.
Creiam-me, o menos mau é recordar; ninguém se fie da felicidade presente; há nela uma gota da
baba de Caim. Corrido o tempo e cessado o espasmo, então sim, então talvez se pode gozar deveras,
porque entre uma e outra dessas duas ilusões, melhor é a que se gosta sem doer.
Não durou muito a evocação; a realidade dominou logo; o presente expeliu o passado. Talvez eu
exponha ao leitor, em algum canto deste livro, a minha teoria das edições humanas.O que por agora
importa saber é que Virgília — chamava-se Virgília — entrou na alcova, firme, com a gravidade que
lhe davam as roupas e os anos, e veio até o meu leito. O estranho levantou-se e saiu. Era um sujeito, que
me visitava todos os dias para falar do câmbio, da colonização e da necessidade de desenvolver a
viação férrea; nada mais interessante para um moribundo. Saiu; Virgília deixou-se estar de pé; durante
algum tempo ficamos a olhar um para o outro, sem articu ...
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