Livro: Memórias póstumas de brás cubas Página 3
Autor - Fonte: Machado de Assis
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z-se lavrador, plantou, colheu, permutou o
seu produto por boas e honradas patacas, até que morreu, deixando grosso cabedal a um filho, o licenciado
Luís Cubas. Neste rapaz é que verdadeiramente começa a série de meus avós — dos avós que a minha
família sempre confessou —, porque o Damião Cubas era afinal de contas um tanoeiro, e talvez mau
tanoeiro, ao passo que o Luís Cubas estudou em Coimbra, primou no Estado, e foi um dos amigos
particulares do vice-rei conde da Cunha.
Como este apelido de Cubas lhe cheirasse excessivamente a tanoaria, alegava meu pai, bisneto do
Damião, que o dito apelido fora dado a um cavaleiro, herói nas jornadas da Africa, em prêmio da
façanha que praticou arrebatando trezentas cubas aos mouros. Meu pai era homem de imaginação;
escapou à tanoaria nas asas de um calembour. Era um bom caráter, meu pai, varão digno e leal como
poucos. Tinha, é verdade, uns fumos de pacholice; mas quem não é um pouco pachola nesse mundo?
Releva notar que ele não recorreu à inventiva senão depois de experimentar a falsificação; primeiramente,
entroncou-se na família daquele meu famoso homônimo, o capitão-mor Brás Cubas, que fundou a vila
de São Vicente, onde morreu em 1592, e por esse motivo é que me deu o nome de Brás. Opôs-se-lhe,
porém, a família do capitão-mor, e foi então que ele imaginou as trezentas cubas mouriscas.
Vivem ainda alguns membros da minha família, minha sobrinha Venância, por exemplo, o lírio-dovale,
que é a flor das damas do seu tempo; vive o pai, o Cotrim, um sujeito que.Mas não antecipemos
os sucessos; acabemos de uma vez como nosso emplasto.
CAPÍTULO 4
A idéia fixa
A minha idéia, depois de tantas cabriolas, constituíra-se idéia fixa. Deus te livre, leitor, de uma idéia
fixa; antes um argueiro, antes uma trave no olho. Vê o Cavour; foi a idéia fixa da unidade italiana que
o matou. Verdade é que Bismarck não morreu; mas cumpre advertir que a natureza é uma gran
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e
caprichosa e a história uma eterna loureira.
Por exemplo, Suetônio deu-nos um Cláudio, que era um simplório, — ou “uma abóbora” como lhe
chamou Sêneca, e um Tito, que mereceu ser as delícias de Roma. Veio modernamente um professor e
achou meio de demonstrar que dos dois césares, o delicioso, o verdadeiramente delicioso, foi o “abóbora”
de Sêneca. E tu, madama Lucrécia, flor dos Bórgias, se um poeta te pintou como a Messalina católica,
apareceu um Gregorovius incrédulo que te apagou muito essa qualidade, e, se não vieste a lírio, também
não ficaste pântano. Eu deixo-me estar entre o poeta e o sábio.
Viva pois a história, a volúvel história que dá para tudo; e, tomando à idéia fixa, direi que é ela a que faz os varões fortes
e os doidos; a idéia móbil, vaga ou furta-cor é a que faz os Cláudios, — fórmula Suetônio.
Era fixa a minha idéia, fixa como. Não me ocorre nada que seja assaz fixo nesse mundo: talvez a
lua, talvez as pirâmides do Egito, talvez a finada dieta germânica. Veja o leitor a comparação que
melhor lhe quadrar, veja-a e não esteja daí a torcer-me o nariz, só porque ainda não chegamos à parte
narrativa destas memórias. Lá iremos. Creio que prefere a anedota à reflexão, como os outros leitores,
seus confrades, e acho que faz muito bem. Pois lá iremos. Todavia, importa dizer que este livro é escrito
com pachorra, com a pachorra de um homem já desafrontado da brevidade do século, obra supinamente
filosófica, de uma filosofia desigual, agora austera, logo brincalhona, coisa que não edifica nem destrói,
não inflama nem regela, e é todavia mais do que passatempo e menos do que apostolado.
Vamos lá; retifique o seu nariz, e tornemos ao emplasto. Deixemos a história com os seus caprichos
de dama elegante. Nenhum de nós pelejou a batalha de Salamina, nenhum escreveu a confissão de
Augsburgo; pela minha parte, se alguma vez me lembro de Cromwell, é só pela idéia de q ...
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