Livro: O Velho da Horta Página 3
Autor - Fonte: Gil Vicente
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jantou. Não quereis?
Velho — Não hei de comer desta vez, nem quero comer bocado.
Parvo — E se vós, dono, morreis? Então depois não falareis senão finado. Então na
terra nego jazer, então, finar dono, estendido.
Velho — Antes não fora eu nascido, ou acabasse de viver!
Parvo — Assim, por Deus! Então tanta pulga em vós, tanta bichoca nos olhos, ali,
cos finado, sós, e comer-vos-ão a vós os piolhos. Comer-vos-ão as cigarras e os
sapos! Morrei! Morrei!
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Velho — Deus me faz já mercê de me soltar as amaras. Vai saltando! Aqui te fico
esperando; traze a viola, e veremos.
Parvo — Ah! Corpo de São Fernando! Estão os outros jantando, e cantaremos?!.
Velho — Fora eu do teu teor, por não se sentir esta praga de fogo, que não se
apaga, nem abranda tanta dor. Hei de morrer.
Parvo — Minha dona quer comer; Vinde, infeliz, que ela brada! Olhai! Eu fui lhe
dizer dessa rosa e do tanger, e está raivada!
Velho — Vai tu, filho Joane, e dize que logo vou, que não há tempo que cá estou.
Parvo — Ireis vós para o Sanhoane! Pelo céu sagrado, que meu dono está danado!
Viu ele o demo no ramo. Se ele fosse namorado, logo eu vou buscar outro amo.
Vem a Mulher do Velho e diz:
Hui! Que sina desastrada! Fernandeanes, que é isto?
Velho — Oh pesar do anticristo. Oh velha destemperada! Vistes ora?
Mulher — E esta dama onde mora? Hui! Infeliz dos meus dias! Vinde jantar em má
hora: por que vos meter agora em musiquias?
Velho — Pelo corpo de São Roque, vai para o demo a gulosa!
Mulher – Quem vos pôs aí essa rosa? Má forca que vos enforque!
Velho — Não maçar! Fareis bem de vos tornar porque estou tão sem sentido; não
cureis de me falar, que não se pode evitar ser perdido!
Mulher — Agora com ervas novas vos tornastes garanhão!.
Velho — Não sei que é, nem que não, que hei de vir a fazer trovas.
Mulher — Que peçonha! Havei, infeliz, vergonha ao cabo de sessenta anos, que
sondes v
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s carantonha.
Velho — Amores de quem me sonha tantos danos!
Mulher — Já vós estais em idade de mudardes os costumes.
Velho — Pois que me pedis ciúmes, eu vo-los farei de verdade.
Mulher — Olhai a peça!
Velho — Que o demo em nada me empeça, senão morrer de namorado.
Mulher — Está a cair da tripeça e tem rosa na cabeça e embeiçado!.
Velho — Deixar-me ser namorado, porque o sou muito em extremo!
Mulher — Mas vos tome inda o demo, se vos já não tem tomado!
Velho — Dona torta, acertar por esta porta, Velha mal-aventurada! Saia, infeliz ,
desta horta!
Mulher — Hui, meu Deus, que serei morta, ou espancada!
Velho — Estas velhas são pecados, Santa Maria vai com a praga! Quanto mais
homem as afaga, tanto mais são endiabradas!
(Canta)
“Volvido nos han volvido,
volvido nos han:
por uma vecina mala
meu amor tolheu-lhe a fala
volvido nos han.”
Entra Branca Gil, Alcoviteira, e diz:
Mantenha Deus vossa Mercê.
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Velho — Olá! Venhais em boa hora! Ah! Santa Maria! Senhora. Como logo Deus
provê!
Alcoviteira — Certo, oh fadas! Mas venho por misturadas, e muito depressa ainda.
Velho — Misturadas preparadas, que hão de fazer bem guisadas vossa vinda!
Justamente nestes dias, em tempo contra a razão, veio amor, sem intenção, e fez de
mim outro Macias tão penado, que de muito namorado creio que culpareis porque
tomei tal cuidado; e do velho destampado zombareis.
Alcoviteira — Mas, antes, senhor agora na velhice anda o amor; o de idade de
amador por acaso se namora; e na corte nenhum mancebo de sorte não ama como
soía. Tudo vai em zombaria! Nunca morrem desta morte nenhum dia. E folgo ora de
ver vossa mercê namorado, que o homem bem criado até à morte o há de ser, por
direito. Não por modo contrafeito, mas firme, sem ir atrás, que a todo homem perfeito
mandou Deus no seu preceito: amarás.
Velho — Isso é o que sempre brado, Branca Gil, e não me vai, que eu não daria um ...
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