Livro: História do Futuro Vol. I Página 2
Autor - Fonte: Padre Antônio Vieira
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ia, que ensina a adivinhar pelas cousas da
terra; a hidromancia, pelas da água; a aeromancia, pelas do ar, e a piromancia,
pelas do fogo. Tão cegos seus autores no apetite vão daquela curiosidade, que,
tendo-se perdido na terra os vestígios de tantas cousas passadas, cuidaram que na
água, no ar e no fogo os podiam achar das futuras.
No mesmo homem descobriram os homens dois livros sempre abertos e
patentes, em que lessem ou soletrassem esta ciência. A fisionomia, nas feições do
rosto; a quiromancia, nas raias da mão. Em um mapa tão pequeno, tão plano e tão
liso como a palma da mão de um homem, inventaram os quiromantes não só linhas
e caracteres distintos, senão montes levantados e divididos, e ali descrita a ordem e
sucessão da vida e casos dela, os anos, as doenças e os perigos, os casamentos,
as guerras, as dignidades, e todos os outros futuros prósperos ou adversos; arte
certamente merecedora de ser verdadeira pois punha a nossa fortuna nas nossas
mãos.
Deixo a astrologia judiciária, tão celebrada no nascimento dos príncipes, em
que os genetlíacos, sobre o fundamento de uma só hora ou instante da vida,
levantam ou figura ou testemunhos a todos os Sucessos dela. Nem quero falar na
triste e funesta nicromancia, que, freqüentando os cemitérios e sepulturas no mais
escuro e secreto da noite, invoca com deprecações e conjuros as almas dos mortos
para saber os futuros dos vivos.
A este fim excogitaram tantos gêneros de sortilégios, como se na
contingência da sorte se houvesse de achar a certeza; a este fim observaram os
sonhos como se soubesse mais um homem dormindo do que sabia acordado; a este
sentido consultavam as entranhas palpitantes dos animais, como se um bruto morto
pudesse ensinar a tantos homens vivos. Com o mesmo apetite pediam respostas às
fontes, aos rios, aos bosques e às penhas; com o mesmo inquiriam os cantos e vôos
das aves, os mugidos dos animais, as folhas e movimentos das árvores, com o
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mesmo interpretavam os números, os nomes e as letras, os dias e os fumos, as
sombras e as cores e não havia cousa tão baixa e tão miúda por onde os homens
não imaginassem que podiam alcançar aquele segredo que Deus não quis que eles
soubessem. O ranger da porta, o estalar do vidro, o cintilar da candeia, o topar do
pé, o sacudir dos sapatos, tudo notavam como avisos da Providencia e temiam
como presságios do futuro. Falo da cegueira e desatino dos tempos passados, por
não envergonhar a nobreza da nossa Fé com a superstição dos presentes.
Finalmente, a investigação deste tão apetecido segredo foi o estudo e disputa
dos maiores e mais sinalados filósofos, de Sócrates, de Pitágoras, de Platão, de
Aristóteles e do eloqüente Túlio, nos livros mais sublimes e doutos de todas suas
obras. Esta era a teologia famosa dos Caldeus; este o grande mistério dos Egípcios;
esta em Roma a religião dos áugures; esta em Judeia a seita dos Pitões e Aríolos;
esta em Pérsia a ciência e profissão dos Magos; esta enfim do Céu até o Inferno, o
maior desvelo dos sábios e maior ânsia e tropeço dos ignorantes; uns injuriando o
Céu, e dando trato às estrelas para que digam o que não podem; outros inquietando
o Inferno (como dizia Samuel), e tentando os mesmos demônios, para que revelem o
que não sabem. Tanto foi em todas as idades do Mundo, e tanto é hoje, na
curiosidade humana, o apetite de conhecer o futuro!
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Mas o que mais que tudo encarece a tenacidade deste desejo, é considerar
que, enganados tão profundamente os homens pela falsidade e mentira de todas
estas artes e seus ministros, não tenha bastado nenhuma experiência, nem haja de
bastar já para mais os desenganar e apartar dele: Genus hominum potentibus
infidum, sperantibus fallax, quod in civitate nostra, et vetabitur semper et retinebitur,
disse Tácito. O mesmo Saul, que desterrou a Pitonisa, a foi buscar e se serviu de
sua má arte; e os m ...
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